sexta-feira, 23 de julho de 2010

O Problema da Justiça

Por Anderson Araújo

O diálogo sobre a justiça acontece entre Céfalo (um ancião), Polemarco (seu filho) e um dos filósofos mais importantes para o desenvolvimento da filosofia: Sócrates. No decorrer do diálogo chegam outros personagens, mas refletiremos apenas sobre o trecho inicial do livro I de A República de Platão.

Sócrates é convidado para ir à casa de Céfalo. Todos gostavam muito de conversar com o filósofo. Pois, ele utilizava um método interessante para ensinar. O método é a Dialética. O que é isso, dialética? Examinemos o diálogo para compreendermos esse termo e o problema da justiça.

Céfalo afirma que a Justiça consiste em falar a verdade e devolver ao outro o que lhe pertence. Sócrates aponta um problema na definição de Céfalo sobre a justiça. Qual é o problema? Sócrates exemplifica: Imaginemos que José receba uma arma do seu amigo (Luiz) para guardar. Certo dia, Luiz bate à porta da casa de José e lhe pede a arma que anteriormente pedira que guardasse. No entanto, José percebe que Luiz está um pouco alterado, provavelmente, com perturbações mentais, pensou José. O Luiz deve ter batido a cabeça em algum lugar ou deve ter tomado alguma bebida muito forte. (Estes nomes, Luiz e José não fazem parte do texto original). Sócrates se utiliza desse exemplo a fim de mostrar para o seu interlocutor, Céfalo, que, se a Justiça consistir em falar sempre a verdade e dar a cada um o que lhe pertence, seria então justo que o José entregasse a arma ao Luiz nessas condições. Mas ninguém concordaria em dar a arma para uma pessoa perturbada.

Céfalo diz que de fato errou em sua definição de Justiça. Pois, a Justiça consiste em falar a verdade e devolver a cada um o que lhe pertence, mas de acordo com as circunstâncias, ou seja, só se pode falar a verdade e entregar a alguém o que lhe pertence se este não estiver perturbado das ideias. Céfalo sai de cena e deixa o seu filho Polemarco conversando com Sócrates. É certo que não desejamos o mal aos nossos amigos, mas, e no caso de nossos inimigos, pergunta Sócrates a Polemarco, teremos que lhes devolver o que lhes devemos?

Polemarco responde que sim. Porque uma pessoa só deve ao seu inimigo o mal. Sócrates percebe também um problema na fala de Polemarco e lhe pergunta: “O que deve fazer um médico?” Polemarco responde: “dar remédios para os doentes”. Sócrates pergunta a Polemarco: “A Justiça consiste em fazer bem aos amigos e mal aos inimigos?” Polemarco responde que sim.

Sócrates lembra que a medicina não foi criada para fazer o mal ao doente, pelo contrário, o médico só deve fazer o bem. Com isso, Sócrates está empregando o seu método que é a Dialética. É uma espécie de jogo que acontece na maioria dos diálogos Socráticos. Neste diálogo, sobre a Justiça, Sócrates percebe que Céfalo e Polemarco dão falsas definições de Justiça. Pois, tanto Céfalo quanto Polemarco não apresentam uma definição universal de Justiça. Eles apresentam definições particulares. As definições que interessam ao filósofo são as definições universais, quer dizer, aquelas que podem ser usadas em todas as situações. Neste caso, a definição de Justiça, assim como a definição de medicina exige uma aplicação imparcial, logo, o "homem mau" merece cuidados médicos e tem direito de ser assistido pela Justiça.

Para Sócrates, a definição de Justiça deve servir para todos os casos. As definições não podem se contradizer. Sócrates nos ensina com a filosofia que não podemos dizer que algo é bom e mau ao mesmo tempo. A definição de Justiça deve ser útil e boa para todos os casos. A Dialética, este método que a filosofia sempre usou, nos ensina a usar os conceitos de uma forma clara e precisa, para que todos compreendam e não sejam enganados por argumentos falsos.

Sócrates, ao empregar a Dialética, dizia que fazia um trabalho de parteira. Pois, para ele, todas as pessoas estão “grávidas”, grávidas de ideias. E para fazê-las nascerem é necessário o trabalho de um filósofo. Esse método dialético é chamado de maiêutica, que é fazer o outro descobrir por si mesmo a verdade que parecia desconhecer. É a arte de fazer o outro “dar à luz às suas idéias”.

Referência Bibliográfica

PLATÃO. A República. Livro I. Tradução Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA, 2000.


sexta-feira, 16 de julho de 2010

Educação, uma Emancipação do Olhar

Por Anderson Araújo

O filósofo Platão nos apresenta em seu livro República, a Imagem da Caverna, mais conhecida como Mito da Caverna. Na Imagem da Caverna, temos uma situação onde se encontram homens presos por correntes, desde crianças, no interior de uma caverna. Eles estão presos de tal modo que não podem mover o pescoço, logo, são obrigados a olhar para frente eternamente. E o que eles vêem, eternamente? Sombras de objetos projetadas por um fogo na parede da caverna. Acontece que um deles é libertado e tem a oportunidade de olhar o mundo a partir de um outro lugar, a saber, fora da caverna. Um prisioneiro é solto e pode conhecer os objetos que eram projetados pelo fogo na parede da caverna, e ele pode ainda mais, sair da caverna e ver o sol.

Ora, o mesmo se passa conosco, afirma Sócrates, a respeito da nossa condição humana. Dizemos condição humana, porque somos homens que vivemos no mundo, e, porque vivemos no mundo, relacionamo-nos com homens no mundo. E, imersos em relacionamentos humanos, no mundo, somos sujeitos a diversas posições a respeito de nós mesmos e do mundo. E essas posições nem sempre são fruto de reflexões, ou de imagens críticas de nós mesmos e do mundo. Muitas vezes, são imagens distorcidas, tomadas como “a verdade”, “o sentido”, “o real”, caracterizadas por serem eleitas na ausência de reflexão.

Assim, não cabe à educação propor a visão de uma verdade ou do real, mas condições de possibilidades que nos permitem ser facilitadores da visão dos diversos sentidos de mundo, diria o educador Paulo Freire. Platão e a Imagem da Caverna nos orientam nesta posição. Pois, estamos falando de uma educação do olhar. Na língua grega há diversos modos do verbo “ver” que se ligam a modos de conhecimento. Assim, o verbo “ver” é utilizado muitas vezes pelos gregos para se referirem às muitas formas de conhecimento.

Retornemos, pois, à caverna. Os prisioneiros eram obrigados a ver sempre as mesmas coisas, tinham o olhar orientado para uma única direção. Eles poderiam refletir sobre o que viam? Sim. No entanto, somente sobre o que lhes era apresentado. Não podiam caminhar e buscar uma outra imagem, não tinham um olhar emancipado. Podiam, talvez, fechar os olhos. A liberdade dos prisioneiros se resumiria, talvez, nesta possibilidade de fechar os olhos. Mas, também, nem não sabiam ou nem quereriam, uma vez que não tinham outras possibilidades de “passar o tempo” e de se divertirem.

Mas, um dos prisioneiros tem a oportunidade de ver “mais”, de conhecer melhor o mundo. E, aqui, apontamos para uma condição de possibilidade de uma educação que emancipa o olhar. É uma educação que oportuniza meios, ou momentos, para que o educando ou o aluno, possa ver “mais”. Não é a idéia de ver muito mais, como adição na matemática. Mas, que oportuniza pelo menos mais de uma visão acerca de si mesmo e acerca do mundo.

A educação assumiria, então, as posições de mãe ou de pai, porque usamos o termo emancipação. No entanto, ela é um pai-mãe “ideal”. É o que o professor, o facilitador ou o educador faz com o seu aluno. A educação seria justamente o contrário de um paternalismo. Ela deve emancipar o olhar do aluno. E o desafio para o professor “facilitador” é o de mostrar para o aluno que ele é sujeito, portanto, homem dotado de uma capacidade reflexiva que o permite conhecer sentidos do mundo, e que o torna capaz de escolher ou não, alguns sentidos do mundo. Educação seria, talvez, mostrar, sutilmente, a possibilidade de uma vida sem os pais, logo, a tarefa do educador é, neste sentido, emancipar o olhar do aluno.

Assim, pensamos que a educação teria, de um lado, o privilégio de poder corrigir o olhar das pessoas. E, por outro lado, o professor teria que ser um polýtropon, palavra grega que significa “aquele que se vira de muitos modos”. O professor teria que, primeiramente, estar, não emancipado, mas no processo de emancipação do olhar. Pois, sabemos que o conhecimento se dá num processo, e não podemos, se estivermos numa atitude reflexiva e, portanto, filosófica, apontar para uma posição totalmente emancipada, segura de si, dogmática.

O professor teria que, então, antes de cuidar para que aconteça a emancipação dos outros, estar, ele mesmo, no processo emancipatório. Ele deve cuidar-se de si, ocupar-se de si. Só então ele poderá ocupar-se dos outros. Assim, a educação assume também um caráter terapêutico, mas despretensioso. Porque não podemos pensar na relação professor-aluno como uma relação de mestre e discípulo, mas numa relação que é construída entre sujeitos. Enquanto possibilito que o outro veja outros sentidos de mundo, também conheço, através dele, outros sentidos de mundo, e, juntos, construímos outros sentidos de mundo.

Assim, uma educação que liberta, e que por isso mesmo é humana, é aquela que se preocupa com o olhar das pessoas. E, para que ela ocorra, faz-se necessário que o professor seja um polýtropon despretensioso, que ele não tenha a intenção de agradar ou de “bajular” o olhar do aluno, mas que se vire de muitos modos para libertar o olhar do aluno de uma única imagem, ou melhor, que ele aponte pelo menos possibilidades que permitam ao aluno escolher se deseja se libertar ou não, de uma imagem.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BORNHEIM, Gerd. Introdução ao Filosofar. Porto Alegre: Globo, 1978. p.47-80.

PLATÃO, A República. Trad. Carlos Alberto Nunes. 3ª ed. Belém: EDUFPA, 2000. p.319-357.



sábado, 10 de julho de 2010

Alienação e Mediocridade

Por Anderson Araújo

Considerando-se que as ideologias são doutrinas de ideias; podem ser utilizadas com o sentido de educar, sensibilizar, formar, convencer e até mesmo de manipular o ser humano. Pode-se identificar cada sentido dependendo da pessoa que faz uso da ideologia e do contexto no qual é utilizada.

Desse modo, as músicas transmitem ideologias, intencionalmente ou não, mas transmitem. Assim como as propagandas, as religiões e os discursos políticos. As propagandas tentam convencer as pessoas a comprarem seus produtos. Para isso, associam imagens de beleza, saúde e bem-estar ao produto que desejam vender. Um político sempre transmite uma ideologia. Mas o que precisamos identificar é se ele a transmite em um sentido positivo ou negativo. Ou seja, se o objetivo é auxiliar as pessoas, libertar as pessoas das condições miseráveis e sub-humanas nas quais vivem, a ideologia é positiva. E se o objetivo for simplesmente ganhar votos, apoio e auto beneficiar-se, estamos diante de uma ideologia no sentido negativo.

Em geral, o que a ideologia em seu sentido negativo faz é alienar as pessoas. As pessoas tornam-se alienadas, quer dizer, desconhecem os reais motivos pelos quais agem, consomem compulsivamente e escolhem determinados políticos. Neste caso, ainda há muitas pessoas que escolhem um representante porque corresponde a um padrão de beleza ou porque está ligado a um time de futebol, por exemplo. Claro que nada impede que um jogador de futebol tenha características consideradas importantes para um representante do povo. Mas, normalmente, as pessoas desconhecem seus projetos.

Pessoas alienadas geralmente são medíocres. Por quê? Porque agem iguais a todo mundo. Compram as mesmas roupas de marcas famosas, não suportam não TER o celular que o seu grupo de convivência possui, nem o fato de andar com um carro usado. Alienação e mediocridade andam de mãos dadas. Isso porque falta opinião própria, estudo, estilo e perfil à pessoa alienada. Formar-se é algo difícil, porque exige esforço, cultivo de si (cultura), assim como toda virtude. A virtude não é apenas um bom hábito, mas é um comportamento marcado pela originalidade e motivações próprias para conhecer-se e conhecer o mundo e as coisas; talvez para se enganar menos e ser menos enganado, menos alienado portanto, e mais autêntico.

É triste e cansativo ver e ouvir as pessoas repetirem chavões de programas de humor ou de novelas – fica todo mundo igual. Mas é encantador ser surpreendido por questões diferentes e problematizadoras sobre o mundo. A autenticidade exige também moderação, equilíbrio, mas não a “média”, ou seja, não é ser “mais ou menos”. Posicionar-se contra a mediocridade e possuir um perfil original é desafiador. Porque para isso deve-se ser diferente, mas também respeitar as diferenças; e conviver harmonicamente com a sociedade, mas sem perder-se, sem ser comum.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Virtudes e o Mito do Sucesso do Mau Aluno

Por Anderson Araújo

O filósofo Aristóteles nos ensina que a virtude, assim como os vícios, são hábitos, coisas que fazemos com frequência. Quando os hábitos são bons, temos a virtude. O contrário, hábitos ruins, produzem vícios. Além disso, é importante notar que toda virtude é sempre um equilíbrio entre o excesso e a falta.

Exemplificando, podemos imaginar a vida de uma pessoa quanto à prática de atividade física. Aquela pessoa que treina diariamente um esporte, ou que pratica uma caminhada diária de 1h, pode ser considerada virtuosa. A prática deve ser regular para ser classificada como virtude, mas não pode ser executada em excesso.

Um jovem é virtuoso quando se dedica quatro horas diárias ao estudo e, além disso, faz atividade física, conversa com os amigos e convive com a família. No entanto, se o jovem passa a se dedicar 10 horas diárias ao estudo e, com isso, deixa de se relacionar com os amigos e com a família, e não faz atividade física, fica claro que ele está se excedendo em sua ação, logo, estudar neste caso não deve ser considerada uma virtude.

Toda virtude é sempre um equilíbrio e também esforço. Poucas pessoas têm talentos naturais para fazer determinadas coisas. Os atletas só se realizam e alcançam medalhas devido ao tempo que se dedicam aos treinos. E mesmo quando alcançam pódios, continuam a treinar. Porque sabem que sem o treino, sem o esforço, não alcançarão a vitória.

Existe o mito do sucesso do mau aluno, tema já apresentado pelo consultor de carreiras Max Geringer no seu programa diário na rádio CBN. As pessoas divulgam a ideia de que mesmo o mau aluno pode ter sucesso na sua carreira. O que é verdade, embora não se fale que ele terá mais dificuldade do que o bom aluno.

Quem é o mau aluno? É aquele que não tem compromisso, que não respeita nem os pais, nem os professores (autoridades). Além de ter dificuldade para cumprir compromissos, como chegar no horário, o mau aluno enfrentará dificuldades de se relacionar com os seus superiores (chefes, gerentes), pois não estava habituado a ver os pais e professores como autoridades.

Se toda virtude é sempre um esforço, aquele que se esforça terá mais facilidade de se adaptar a regras e horários, e portanto, de se relacionar melhor no seu ambiente de estudo e de trabalho.

No próximo texto vou refletir sobre virtude e mediocridade.