sábado, 16 de janeiro de 2021

Cooperar, além de ser belo, é também vantajoso

Anderson Manuel de Araújo
Mestre em Filosofia pela UFMG

Observa-se que muitas pessoas, mesmo antes da pandemia do novo corona vírus, lidam de modo desmedido, ou desproporcional e se quisermos, injusto, em relação ao que esperam dos outros e ao que estão dispostas a fazer em relação aos outros, sobretudo no que diz respeito à capacidade de fazer o bem, cooperar, de propiciar o bem estar, de ser gentil, cordial e de ter compaixão. Tais palavras não são tratadas aqui como sinônimas, mas dependendo do ponto de vista do argumentador, ou do leitor, são estas palavras que as pessoas mais recorrem quando há na ação e na reação dos outros a "falta" de uma prática benevolente, seja no contexto religioso, corporativo, jurídico ou familiar.

Nota-se, sobretudo no ambiente corporativo, certo tipo de egoísmo: a incapacidade de pensar que o outro também tem o direito de não estar sempre disponível, e em tempos de home office ou teletrabalho, o óbvio direito de não estar o dia inteiro disponível, mesmo "remotamente". Este egoísmo pode revelar pelo menos duas características da pessoa: ou a pessoa tem pouca reflexão sobre si mesma e sobre o mundo, ou o seu olhar está voltado exageradamente para si mesma. Esta segunda característica, que nos parece ser mais frequente, revela um sujeito sem pudores, e, poderíamos dizer, "sem vergonha", que, indisponível quase sempre, demanda do outro atendimento exclusivo a qualquer momento e hora do dia.

Erram os egoístas. Igualmente erram aqueles que, por causa dos egoístas, deixam de ser gentis, cordiais, solícitos e compassivos. A torcida dos que insistem em ser cordiais é para que em um determinado momento da vida, o egoísta tenha a capacidade de parar de olhar para o espelho que reflete somente a si mesmo e olhe com estranheza e até incômodo para o "outro". Ao egoísta falta o olhar de estranheza porque vive mergulhado em seu próprio ego. 

Vivemos a cultura do "cancelamento". Aprendemos com as redes sociais a "bloquear" e a excluir as pessoas. Aprendemos a tratar com indiferença e ficar "off-line", e algumas vezes até "invisível". Se nas redes sociais lidamos com "status" e "perfis" de pessoas, que é o mundo real numa realidade virtual, no chamado mundo real lidamos diretamente com as pessoas e não com avatares ou perfis, e estas pessoas não podem ser nem bloqueadas nem excluídas. A cultura do "cancelamento" é a marca de uma sociedade infantilizada, egoísta e intolerante. "Cancelamos" a TV, o jornal e o jornalista, o amigo, o parente, o artista e até mesmo uma marca, porque os representantes ou criadores dessa marca pensam de modo diferente do nosso modo de pensar. "Cancelar" pessoas passa pelo esforço em não mais encontrá-las, de não dar qualquer credibilidade às suas palavras ou atitudes e aos seus trabalhos que, independentemente das suas ideias, têm qualidade e merecem o respeito. 

Respeitar o direito do outro de pensar diferente é marca da diplomacia e do Estado Democrático de Direito. Entretanto, temas que comprovadamente configurarem como mentiras e informações falsas, devem ser amplamente combatidos por todos; principalmente quando o assunto servir de potencial combustível para ações violentas e de discriminação, e colocarem em risco a saúde das pessoas. Por outro lado, dizer a verdade, não pode ser motivo de "cancelamento", muito menos de ataques à imagem das pessoas, seja nas redes sociais ou em outros espaços. Enquanto o debate sobre o direito dos outros de espalharem mentira e ódio cresce, esquecemo-nos do que deveria ser defendido, uma vez que somos seres racionais e nos beneficiamos desde que nascemos, de pesquisas científicas: a verdade científica não nasce de achismos, suposições e conspirações, mas de conjecturas e refutações, enfim, de juízos submetidos à experiência.  

Neste contexto, pode-se abordar o tema da vacinação em geral no combate a doenças, e mais especificamente, a vacinação contra a Covid-19. O debate sobre a vacinação produz duas situações que merecem ser analisadas. Importante destacar que esta análise não se propõe a fazer juízos morais e não toca sobre a responsabilidade imputada ao chefe de uma nação.  A primeira situação, diz respeito ao que estamos caracterizando como "cultura do cancelamento". Em geral, os dois pontos de vista, a favor e contra à vacinação, são igualmente intolerantes quanto ao direito do outro de pensar diferente. Ambos acabam incorrendo no erro do "cancelamento" do outro que pensa diferente: bloqueios e ofensas virtuais, exclusão e saídas de grupos, não antes, claro, de algumas palavras que, independentemente da causa defendida, acabam ferindo e extrapolando a linha da racionalidade. 

Já a segunda situação em relação à vacinação que merece ser analisada, confiando, é claro, na ciência, é o tema da cooperação. E, categoricamente, podemos afirmar: sem a nossa "fé" na ciência não faríamos quase nada. Mesmo errando, a ciência, avança. Teorias imunes ao erro seriam mitos e não ciências, como se pode aprender com o filósofo da ciência, Karl Popper. Uma boa teoria científica deve ser testada diversas vezes e merece a credibilidade enquanto resistir à experiência.  Pensando de modo cooperativo e inteligente, e a partir da perspectiva da empregabilidade e do lucro, vacinar quase toda a população beneficiaria qualquer cidade, estado ou país. Pois a vacinação é o que, segundo especialistas da medicina, asseguraria a sobrevivência de muitas pessoas, garantindo  o retorno seguro de escolas, empresas, fábricas e indústrias, o que inevitavelmente, além de evitar mais gastos com tratamentos e internações, colocaria em funcionamento pleno todas as atividades econômicas e comerciais, produzindo investimento e lucro às cidades, aos estados e ao país.

O que muitos ainda não entenderam é que cooperar é sempre melhor, não apenas para aqueles que recebem diretamente algum tipo de benefício, ajuda, apoio ou suporte. Mas porque além de ser belo, faz chorar até o homem mais materialista e ateu, é também "vantajoso". Sim, cooperar é vantajoso! A cooperação é vantajosa para uma sociedade marcada pela competitividade, pelo consumismo e pela busca do lucro. Proporcionar meios de qualificação de mão de obra, por exemplo, produz, além de mão de obra qualificada, potenciais consumidores e pessoas em condição de cuidar da sua própria alimentação, da sua saúde e ainda, de pagar impostos. 

Na mesma direção pode-se constatar que viver em paz gera mais lucro do que viver em situação de guerra. Logo, acordos pela paz são em geral menos onerosos para um país, além de, é claro, pouparem vidas. O que se gasta com a construção de rede de esgoto em uma cidade é muito menor do que  com o tratamento dessas pessoas em todas as dimensões, sobretudo a longo prazo, que ficam doentes e acabam indo parar em hospitais, crianças com baixos rendimentos escolares, e adultos com baixa autoestima, alguns deles com depressão, e outros, que acabam se entregando a todo tipo de drogas e se envolvendo com situações de violência que os colocam em posição de maior vulnerabilidade. 

Portanto, cooperar é agir também com "inteligência". Enquanto alguns têm atitudes benevolentes tendo como única finalidade o próprio bem, há outras que praticam tais ações pensando no bem estar social e até no retorno imediato para si mesmos e para sua própria geração. Neste caso, não estaríamos diante de uma forma de "egoísmo", já que a finalidade da ação é outra? O egoísmo é, a rigor, essencialmente tolo e desprovido de inteligência. A prática cooperativa que busca também o retorno de um bem para si mesma é, antes de qualquer coisa, a expressão da necessidade de conviver para viver, de ser junto para ser também "sozinho", é compreender que para sobreviver é melhor coexistir, pois além de solidário, é também vantajoso. 

A equação que utiliza a cooperação como elemento pode produzir a bondade e a caridade, mas também a vantagem, o bem estar geral, a saúde, e consequentemente, uma sociedade justa, melhor, e próspera. Dos pontos de vista moral, jurídico e religioso, cooperar é inegavelmente belo e admirável. Já para as perspectivas econômica e política, cooperar é vantajoso para todos, gera lucros, produz uma sociedade rica, harmoniosa e feliz. No mundo corporativo a expectativa principal que se tem em relação a qualquer colaborador ou funcionário, é a de que seja cordial, gentil e cooperador. 

Deixar de olhar para o espelho e olhar para "fora" é o início de uma postura empática em relação aos outros. Cooperar é ser capaz de ter empatia. Por que somente o outro deve atender a todas as suas demandas e relevar todos os seus contextos, sem julgar você? A cooperação, antes de ser decreto, produz o decreto; e se a letra mata, o egoísmo aborta, enluta famílias, equipes, cidades e empresas, causando atrasos em quaisquer processos de evolução e de crescimento familiar, empresarial e, especialmente em uma nação.