Por Anderson Araújo
(Para Eni Maria)
Quando comecei a lecionar me surpreendi com várias situações em sala de sala. Não é que hoje não me surpreenda mais, pelo contrário, continuo a me surpreender positivamente e negativamente. Certo dia, durante a aplicação de uma avaliação de filosofia, enquanto "passava" a lista para os alunos assinarem, notei alguns nomes diferentes ao fim da lista. Os nomes se destacavam principalmente pelo fato de serem nomes de super-heróis dos quadrinhos.
Não vou discursar sobre o que eu "deveria" ter feito, ou o que outros professores teriam feito quanto ao gesto que de certa maneira demonstra "indisciplina" ou "descaso" dos alunos quanto à seriedade de um documento que é a lista de presença - é evidente que deixei isso claro! Apesar de tal gesto ter se manifestado apenas como "brincadeira" dos alunos, lembrei-me das crianças que, como nos ensina o filósofo Nietzsche, levam muito a sério suas brincadeiras.
Denominar-se como super-herói significa dizer que se tem super-habilidades para lidar com determinadas situações, ou que há necessidade de super-habilidades para lidar com estas situações. Não basta "ser" humano para "ser" aluno, tem que "ser" super-herói. Tem que "ser" super-herói para estudar em escolas públicas, muitas delas pichadas, depredadas e frequentadas pelos invasores que veem nestas escolas uma oportunidade para comercializarem seus produtos e se socializarem.
Por outro lado, será que é necessário ter super-habilidades para permanecer sentado durante um longo período para estudar, ler, interpretar, pensar, e deixar de lado o namoro, o computador, o futebol e o sofá de casa?
O assunto é complexo porque está em jogo a ressignificação de métodos de estudo, de teorias da educação que não acompanharam as mudanças tecnológicas e culturais, e neste caso cabe também perguntar: a educação deve acompanhar as mudanças tecnológicas? Em que sentido deve haver uma mudança na estrutura curricular, nos métodos de ensino e na estrutura física e material do ensino?
Se há necessidade de super-habilidades para "ser" aluno, vejo igualmente a necessidade de o professor "se tornar" um super-herói para "continuar fazendo o que faz" e, sobretudo, para acompanhar as mudanças, "se virar" para competir com o "twitter", o "facebook", o "youtube" e o "whatsApp".
Escolas "salvam" muitas crianças do tráfico, da morte precoce. Professores ainda carregam um grande significado para muitas crianças e jovens. Professores ainda são modelos para muitas crianças que veem neles, exemplos de pais, de trabalhadores e também de mestres.
Porém, enquanto há o crescimento da demanda por professores que devem "se virar" para competir com as redes sociais, para serem pais, psicólogos, pedagogos, educadores, assistentes sociais e desempenharem tantas outras funções além da construção do conhecimento, não há um crescimento da valorização desta função em nossa sociedade, sobretudo pelos nossos representantes políticos.
Acredito que os meios de comunicação e as redes sociais têm como principal função a de informar, compartilhar notícias, vídeos etc. Evidente que neste processo há também uma divulgação de conhecimento, ou talvez uma "construção" de conhecimento. Mas em geral o que notamos é um excesso de informação. Assim, encontramos na sala de aula, alunos que sabem falar sobre tudo, mas que não têm conhecimento sobre nada. Seus discursos não se sustentam, não conseguem manter um debate porque não leram um livro, não pesquisaram sobre o assunto, não "construíram" o conhecimento, porque receberam informações desenfreadas e irrefletidas através das "redes".
Com isto, não estou desvalorizando a tecnologia, nem desprezando os instrumentos que muito nos ajudam a compartilhar o conhecimento. Como professor posso utilizar o twitter ou o google em sala de aula para uma pesquisa com meus alunos, e o youtube como fonte e ilustração a respeito de um tema, ou mesmo como complemento das aulas. O que quero enfatizar é a necessidade do professor, a importância do professor, daquele que estudou, se debruçou sobre livros, ideias, autores, teorias, enfim, daquele que se cultivou nas artes, na história e no conhecimento para poder construir, juntamente com seus alunos, o conhecimento.
O computador é interessante: é fácil mudar de vídeo quando algo nos desagrada, ou trocar de música, ver uma foto ou outra, conversar com pessoas diferentes ao mesmo tempo enquanto vemos televisão. Mas ainda não inventaram algo melhor que o "ser" humano para "mediar" o conhecimento. Como "construir" o conhecimento com apenas alguns caracteres? Como "formar-se" apenas através de notícias de hora em hora comumente divulgadas pelas tv's e redes sociais? Você deseja apenas informar-se, ou também formar-se?
Se há uma desvalorização do professor por parte da nossa política, há também, na mesma medida, uma desvalorização do aluno e do estudante.
Nesta história, percebo que não se pode intitular nem o professor, nem o aluno como super-herói. Ambos são vítimas de um sistema histórico que desvaloriza o "ser" humano. Precisamos disseminar a importância da construção do conhecimento, e não apenas da construção de coisas, mesmo porque esta última depende da primeira.
Constata-se que professores e alunos são vítimas. Mas vítimas de quem? Seria fácil mergulhar num processo de vitimização, responsabilizando apenas nossos representantes políticos por isso. Cabe a cada pessoa conscientizar-se das suas escolhas, daquilo que cada um elege para si como prioridade. E, em que medida espera-se e há um desejo legítimo de libertação do oprimido, como escreveu o educador Paulo Freire. E, se o oprimido não se sabe oprimido, como libertá-lo desta opressão? Quem, melhor do que aqueles que ensinam a ler, a escrever, e a interpretar o mundo?
(Marvel Comics)
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