Anderson Manuel de Araújo
É atribuído ao filósofo Arthur
Schopenhauer o pensamento: "Os
primeiros quarenta anos da vida nos dão o texto e os trinta seguintes, o
comentário". Desse pensamento podemos refletir sobre alguns aspectos. Inferimos
que os primeiros quarenta anos da nossa vida seriam dedicados à aprendizagem. Já nos outros trinta anos de vida teríamos
condições de já tecer comentários, isso é claro, se e somente se, tivermos
aprendido as lições das primeiras quatro décadas de vida.
É claro que não deveríamos fazer
uma leitura literal do pensamento. Há lições que muitas jovens aprenderam e que
muitas pessoas de sessenta ou de oitenta morreram sem tê-las aprendido. O fato
é que se leva muito tempo para aprender algumas lições. Porém, aquele que
estiver em condições de proferir tal sentença, também já estará na posição de
afirmar que o tempo “passa muito rápido” e que gostaria de ter algumas
oportunidades para ter outra sensação dos primeiros quarenta anos de vida. Nota-se
o drama de chegar aos quarenta anos de vida: estar de posse das principais lições
em mãos por já ter vivido algumas décadas e não usufruir do mesmo “tempo”, do
mesmo “espaço” e mesmo “corpo” de que usufruíra no passado.
Apesar disso, é comum ouvirmos
pessoas graduadas e que já estariam nesta pós-graduação da vida, afirmarem que
não trocariam o momento em que se encontram, seja aos 45, 50 ou 60 pelos momentos dos
seus 18, 20 ou 25 anos.
Na juventude há muita beleza e
tempo para lidar com o que não nos acostumamos e denominamos de “feio”. Há
também necessidade de conhecer muitas pessoas e com elas viver todo o resto da
vida. Há muitas paixões e também muitas dores e incompreensões, consigo mesmo,
com o outro, o mundo e Deus. Nestes primeiros anos, há muita vontade de mudar o
mundo, fazer a revolução e também justiça. Nestes anos, ou você pensou em ficar milionário
ou pensou em viver uma vida sem que dinheiro, poder e bens tomassem conta de
você. Pouco tempo de vida para oscilar entre dois ideais: capitalista e
altruísta.
Aos 20 anos inicia-se uma corrida
quase que sem reflexão em busca da realização dos sonhos. Estudar e trabalhar,
participar de reuniões, congressos e eventos que alimentam crenças. Sem
saber, aos vinte anos, tem-se apenas 10 anos para concretização das escolhas, estabelecer-se e
abrir a porta “certa”, sendo que esta porta ou será facilitadora ou criará
obstáculos ao longo do caminho a ser trilhado.
Mais uma vez, dramaticamente
pensando, não há como ter um conhecimento certo e seguro sobre a escolha que se
faz aos vinte anos. E na mesma direção, os quarenta anos não garantem que se a
escolha tivesse sido outra aos vinte, as conquistas e lições do caminho teriam
sido mais exitosas e felizes. Pois o drama se intensifica quando o ser humano
compreende que só houve "lição" porque percorrera um caminho e não outro; sem
este percurso não haveria estas lições. Constatar o drama revela esta fatalidade do “existir”,
mas produz “alívio” na existência.
Um olhar afirmativo sobre a existência
é capaz de reinventar-se, curar-se. Há tanta busca pela cura das dores da alma.
Aquelas dores provocadas por frustrações, derrotas, decepções e “distâncias”. Olhar
afirmativamente para os próximos anos da vida é conseguir superar todas estas
desditas e continuar a viver apesar de tudo que fora deixado para trás ou que
não fora cumprido.
É fato que compreendemos a “juventude”
como aquele espaço de tempo no qual há muito vigor, disposição, muitos sonhos e
aquela vontade sobrenatural de fazer a revolução no mundo; ou pelo menos
vontade de participar dela. Entretanto, a reconciliação consigo ocorre quando
este conceito de “juventude” é reconstruído e ocorre uma mudança de perspectivas.
Ser “jovem” deixa de ser visto apenas como manifestação de vigor físico, e
passa a ser compreendido como uma postura marcada pela capacidade de
estabelecer para si mesmo novas metas, novos sonhos e principalmente, pela
quantidade de “esperança” que há dentro de si, em relação a si mesmo, e bem menos
em relação aos outros.
O envelhecimento ocorre
definitivamente quando há a morte total da esperança. Por isso há tantos jovens
“velhos” e muitos velhos “jovens”.
Esperar algo do outro é saudável,
mas há muitas chances de frustração. Já esperar algo de si mesmo é o mesmo que
alimentar constantemente uma fogueira e jamais deixá-la apagar, mesmo que situações,
pessoas e o tempo insistam vez ou outra, em jogar água nesta fogueira; é o
esforço para mantê-la acesa que nos mantém com aquela jovialidade tão
desejável.
A vida é um texto cheio de
comentários, rasuras, aspas, parênteses. Os primeiros quarenta anos são
marcados tanto por interrogações quanto por certezas. Os demais possuem mais exclamações,
mas também mais dúvidas. Se havia tantas certezas, havia a disposição para a
revolução. Nos outros trinta anos seguintes as certezas dão lugar às máximas, às lições
e às citações que reproduzem um tempo “vivido” no passado e não um tempo a ser “vivido”
no futuro. Por isso, pode-se dizer que
há certezas que produzem falsas seguranças. E há dúvidas que podem parecer desestabilizar,
mas que na verdade possibilitam a conquista do que chamamos de “sabedoria”.
Se não há mais o desejo de
revolução, na idade posterior aos quarenta deve haver o desejo de evolução. A
busca abrupta, muitas vezes irrefletida e precoce pelas mudanças dá lugar à
caminhada mais consciente dos limites, e sobretudo do “tempo” que há para cada
coisa. Não se trata de perder a vontade de mudar e de fazer parte da própria
mudança. Trata-se de desejar mais do que nunca a mudança, mas de modo natural,
e por "natural" entende-se aqui um transcorrer de coisas e acontecimentos tal
qual a natureza: assim como o plantio de qualquer semente exige o cuidado e o
tempo, é sinal de evolução ter a consciência de que há mudanças que precisam de cuidado e de “tempo” para acontecerem.
Por fim, estar em condições de
tecer os comentários sobre a vida é ter uma forma de esperança, serena e sábia
e dizer como o filósofo Nietzsche: “da
enfermidade da grave suspeita voltamos renascidos, de pele mudada, mais
suscetíveis, mais maldosos, com gosto mais sutil para a alegria, com língua
mais delicada para todas as coisas boas, com sentidos mais risonhos, com uma
segunda, mais perigosa inocência na alegria, ao mesmo tempo mais infantis e cem
vezes mais refinados do que jamais fôramos antes.”