domingo, 5 de julho de 2020

Os ciclos da vida e a necessidade de determinar novos pesos


Anderson Manuel de Araújo
Pode-se fazer uma leitura da história de cada pessoa a partir dos ciclos que ela vivencia durante certos períodos da vida. Um ciclo nada mais é do que um espaço de tempo marcado principalmente por uma ocorrência regular de alguns fatos, sentimentos ou fenômenos. Fala-se em ciclos da natureza, por exemplo: temporadas de chuva, frio, calor ou de flores. Assim, nada nos impede de ler a vida humana a partir dos seus ciclos. E se formos olhar a nossa própria vida ou daquelas pessoas que nos são mais íntimas, notaremos as marcas de diversos ciclos: de nascimento, aprendizagem, descobertas, amor, dor, crescimento e também de luto e morte. 

Tão importante quanto iniciar um novo ciclo é saber "fechar" ou "concluir" um ciclo. Antes de tudo, é necessário saber ler, saber compreender onde estamos e, consequentemente para onde estamos indo. Onde estamos? Certamente o que chamamos de "coração" vai ser capaz de nos dizer: se estamos realizando desejos ou se estamos a caminho de realizá-los. Ou então, será que estamos tão perdidos a ponto de não podermos dizer "onde estamos"? Saber que não estamos onde deveríamos estar, já é bastante revelador. Pois este saber já nos incomoda e nos incita a sair desse "lugar nenhum". 

Há adultos que se comportam não como crianças, mas de modo infantil. Uma infância atropelada ou talvez ainda pior, uma infância nunca superada, pode produzir adultos pouco capazes de lidar com regras, responsabilidades e interdições. É como se estivessem sempre jogando, querendo desafiar o pai ou a mãe, pretendendo ver até onde seus desejos podem ir. Neste caso, parecem viver a repetição do mesmo ciclo, uma insistência para permanecerem em uma fase da vida. Como este "tipo" de adulto nos incomoda...

É necessário coragem para viver os ciclos. Coragem para deixar morrer tudo o que não é mais, deixar morrer o que já passou. Deixar morrer e ter a capacidade de se munir de artifícios e estratégias para a vivência de uma nova temporada. Não abandonar a infância, nos torna infantis. Não viver a juventude, nos torna carrancudos. Não aceitar a maturidade nos torna adolescentes. Crianças são agradáveis, alegres e nos fazem felizes. Adolescentes são provocadores, protestantes por natureza, nos incomodam e exigem de nós uma formação "continuada". Entretanto, adultos que não deixaram de adolescer são desagradáveis e inconvenientes. 

Há fases da vida que demandam muita energia e nos levam a colocar na balança tudo o que escolhemos, o que estamos fazendo e o que iremos fazer. Por isso, há momentos que devemos parar e fazer o que o filósofo Nietzsche propõe: determinar novamente o peso de todas as coisas! Ou seja, é o momento de colocar na balança palavras, sentimentos, escolhas, e não apenas o que recebemos, mas o que também doamos em determinados experiências. Só assim é possível verificar se há razões para continuar ou para terminar o que estamos fazendo. A partir desse momento poderemos chegar à conclusão de que há coisas que não merecem mais a nossa dedicação, a nossa atenção e o investimento de nossa energia. Ou então, pode ser que coisas e pessoas podem continuar merecendo tudo isso, mas não tanto, e descobrimos que podemos investir menos tempo, menos preocupação, menos atenção e carinho. 

Determinar os pesos das coisas deve ser uma tarefa para cada ciclo, seja para tentarmos classificar seus inícios e términos, ou para avaliar se estamos caminhando bem, se ainda é primavera quando já deveria ser inverno. E este "deveria" é por assim dizer, "mortal". Pois nem todos terão a leveza ou humor na descoberta de que há coisas que já "deveriam" ter sido superadas e vencidas. De repente, descobre-se que carregamos uma carga desnecessária ou um monte de coisas que já não nos servem mais. Além da carga, enfrentamos a falta de espaço, de ar, de sopro, de vida.

Há dores que nos parecem experiências de "quase" afogamento, pois nos fazem perder o ar, o fôlego e o impulso. Há alegrias que nos embriagam e são capazes de nos fazer esquecer de tudo o que já experimentamos de trágico na vida. Entretanto, não se trata de interpretar a vida de modo dualista, não se pode pensar a vida como amor ou dor, alegria ou tristeza, nascimento ou morte. Pois há vida na morte e há morte na vida. Há alegrias que nascem da dor e na dor. Os ciclos, sejam eles de descoberta, nascimento, crescimento ou de morte comportam em si todas as emoções da vida. Por este motivo, jamais deveríamos sabotar quaisquer ciclos ou querer morar em determinados ciclos. Pode ser que a morte "definitiva" seja justamente a nossa incapacidade de aceitar a mudança de "fase" ou de ciclo.

Termino citando um trecho de uma carta do poeta Rilke: 

"Jamais devemos nos desesperar ao perder alguma coisa, seja uma pessoa, uma alegria ou uma felicidade; tudo retorna ainda mais magnífico. O que deve cair, cai; o que nos pertence permanece conosco, pois tudo ocorre segundo leis que são maiores do que nossa compreensão e com as quais estamos em contradição apenas aparentemente. Devemos viver em nós mesmos e pensar na vida inteira, em todos seus milhões de possibilidades, vastidões e futuros, diante dos quais não há nada de passado e perdido". 

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