Anderson Manuel de Araújo
Em "O Pequeno Príncipe" lemos a história de uma criança que em suas viagens ensina e aprende várias coisas, e uma delas é o valor da amizade. O menino tem uma rosa em seu pequeno planeta. Durante suas viagens ele não apenas descobre, mas sente em seu coração que o tempo que gastou, cuidando da sua rosa a tornou "única", "especial". Dedicar-se a uma coisa, faz dela valiosa, cara e significativa. O menino aprende também que distanciar-se do que lhe é caro, causa o que chamamos de saudade e descreve bem o que sentimos quando sofremos da espera e da arrumação para o encontro com aqueles que amamos: o sentimento de alegria nos invade já às nove horas se o nosso encontro está marcado para dez horas.
A palavra "philia" é a palavra grega que expressa a natureza do amor existente entre amigos. Este amor revela que a solidão não convém ao ser humano. É o amor entre aqueles que têm prazer em compartilhar não apenas a felicidade, o pão e as vitórias, mas também o laço que permite compartilhar a dor, a tristeza e as derrotas. O filósofo Aristóteles descreve bem este tipo de amor entre os homens em seu livro "A ética a Nicômaco", caracterizando a amizade como partilha entre os homens: não apenas a partilha de sentimentos, mas também de riqueza e sabedoria! Neste aspecto, a amizade nos diferencia dos animais de rebanho. Enquanto ela nos torna únicos e também produz a cooperação já que o amigo se esforça para fazer com que os melhores sentimentos e as melhores coisas façam parte da vida do outro; no bando por sua vez, não existe a cooperação, mas uma vivência de iguais conduzidos por alguém.
Na Bíblia, lemos no livro Eclesiástico (6,14-17) que quem encontrou um amigo, encontrou um tesouro. A rosa precisa de cuidados. Para cuidarmos dela de que precisamos? Tempo para molhar, tempo para podar, tempo para espantar os insetos. Já o tesouro de que precisa? De um lugar para ser até mesmo "escondido" porque todo tesouro precisa de proteção. Assim, seja a rosa ou o amigo, ambos exigem cuidado, atenção, investimento de tempo e energia e também de proteção.
Os nossos amigos nos protegem, cuidam de nós. Eles têm ou tiveram a visão do bem e porque o viram, o desejam também para nós, querem portanto compartilhá-lo conosco. Aprendemos justamente isso quando o jovem Christopher McCandless declara já no fim da vida durante a sua grande viagem ao Alaska: "Felicidade só é real quando é compartilhada".
Tempo e espaço. Toda amizade precisa de tempo e de espaço para ser cultivada. O tempo nos revela aqueles que realmente merecem o nome de "amigo". Todos os testes pelos quais passa uma relação dependem do tempo. Tempo suficiente para sorrir juntos, brincar juntos, discordar juntos, e também; chorar juntos. Uma amizade sem estes testes corre o risco de se quebrar porque não passou pelo fogo do tempo. A amizade precisa de "espaço" seja no sentido de lugar para ser cultivada ou mesmo "volume", extensão e também distância. Desejamos ter os amigos sempre por perto. Mas o verdadeiro amigo sabe que toda amizade precisa de espaço. O espaço permite crescimento, descobertas e também o desenvolvimento da saudade. "Conceder" espaço ao amigo é a manifestação de respeito pela amizade. E a maturidade nos ensina que sem saudade não há amizade que resista.
Os cães compõem a literatura e o cinema quando o assunto é a amizade. Pois revelam de modo perfeito o que chamamos de fidelidade. Assim, nota-se com facilidade que cães, sejam eles protegidos e cuidados por pessoas pobres ou ricas, alimentados com restos, uma boa ração ou também com carne, são inequivocamente fiéis aos seus tutores. Vemos inclusive os cães acompanharem com nobre fidelidade os homens que moram nas ruas. Não é difícil encontrar no centro da cidade um cachorro desfilando na faixa de pedestre com altivez seguindo o seu dono, um "morador de rua" que atravessa empurrando um carrinho de material reciclável. Nossos cães manifestam alegria quando chegamos em casa seja porque ficamos fora durante um dia inteiro e com o mesmo grau de intensidade nos recepcionam quando ficamos fora de casa por tão somente duas horas. Assim também são os nossos amigos que nos recebem com alegria e honras independente do nosso estado de espírito: com fracasso ou com conquistas, não interessa, somos acolhidos como únicos, como um verdadeiro tesouro.
Nossa sociedade construiu muros demais. Precisamos construir pontes para não sermos solitários, nos ensina também o autor de "O Pequeno Príncipe". A amizade é a ponte que nos impede de sermos ilhas. Hoje manifesto a minha gratidão e a minha homenagem a todos os amigos que não me permitem ser uma ilha, mesmo depois de ter havido tantos naufrágios. E peço perdão ao amigo que no "correr da vida" não fui capaz de percebê-lo como náufrago. Concluindo, cito o poema, também canção do compositor Oswaldo Montenegro com o desejo de que todos tenham a oportunidade de ter pelo menos um grande amigo:
"Ilha não é só um pedaço de terra cercado de água por tudo quanto é lado.
Ilha é
qualquer coisa que se desprendeu de qualquer continente.
Por exemplo: um garoto tímido, abandonado pelos amigos no recreio, é uma ilha.
Um velho que esperou a visita dos netos no Natal
e não apareceu ninguém, é uma ilha.
Tudo na gente que não morreu, cercado por tudo que mataram, é uma ilha.
Até a lágrima é uma ilha, deslizando no oceano da cara".