quarta-feira, 19 de maio de 2010

O Tio Zé e a Filosofia

Por Anderson Araújo

Há alguns dias conheci o tio Zé, lá de Goiás, irmão da vovó Edite. Homem matuto e de muita sensibilidade, acostumado à vida no campo, gente que lê os sinais da natureza melhor do que meteorologista. Eu sempre soube da fama do tio Zé de "contador de causos".

Naquela manhã de sábado estava disposto a ouvir suas histórias e causos. Primeiro, ele contou que lá em Goiás, na sua fazenda, dá tanto peixe que se pega com as mãos na "beirada" da lagoa. E dentre outros causos, ele também contou que os celulares fazem parte mesmo da vida dos habitantes na sua cidade em Goiás. Certa vez, encontrou um cachorrinho mancando, quando foi ver, o cachorrinho estava falando com a namorada no celular. Bom, é verdade que a história da lagoa dá para acreditar, mas a do cachorrinho...

Depois de muita risada, questionamos o tio Zé, com todo respeito, de onde vinha a capacidade de contar mentiras. Então ele disse: "A verdade é pouca. Se a gente não inventar, a gente fica sem assunto. A conversa acaba e não tem como passar o dia. Vai ficar contando só verdade? O assunto acaba".

Para mim, o tio Zé tinha acabado de contar uma verdade filosófica. Em outras palavras, ele tinha acabado de sintetizar livros e tratados de filosofia numa única frase: "A verdade é pouca". "A gente precisa inventar". Pois, a filosofia se não for a busca pela verdade, é um esforço para mostrar que muitas teorias ou conceitos tidos como verdades, não são verdadeiros, são inventados. Muitas verdades não passam de crenças, invenções. Ou seja, habituamo-nos a teorias que nos são transmitidas e ensinadas, seja pela tradição ou pelos meios de comunicação, sem questionarmos a verdade. Disso decorrem várias críticas, como a de Karl Marx às ideologias.

Se podemos encontrar a verdade é outra história, investigada em bons e longos tratados. Mas ter consciência da "invenção da verdade" já é um importante passo e uma nobre postura filosófica. A teoria do tio Zé não só me lembrou a minha dissertação de mestrado, mas também me ajudou a encarar o problema da verdade com mais leveza.

Um comentário:

Anônimo disse...

"Tudo que não invento é falso"
Manoel de Barros

(aliás 'Matéria de Poesia' e 'Livro sobre Nada' são duas obras dele que arrepiam em toda essa verdade de inventar!)

tio Zé ia ser amigozíssississimo do de Barros!

inté!